“Antes da família
nuclear, quando vivíamos em grupos familiares maiores ou em tribos, a
comunidade (de mulheres, geralmente) cuidava intensamente da nova mãe para que
ela tivesse a força e o ânimo para cuidar do recém-nascido: massagens,
refeições especiais, repouso e resguardo faziam parte desse rito de passagem. A
mulher era, literalmente, banhada em afeto e suporte para, assim, nutrir o
bebê. Hoje, mesmo com os homens muito mais envolvidos nas tarefas de cuidar, a
mulher moderna tem somente uma ou duas (ou no máximo três) outras pessoas para
ajudá-la: o companheiro e sua mãe e/ou sogra ou, às vezes, uma profissional
contratada para ajudar (babá, enfermeira). E o problema não é só o número e sim
a qualidade desse cuidado, que tende a ser pragmático, focado em
tarefas relacionadas somente ao bebê. Não há muito espaço para as
necessidades emocionais da mãe nessa nova configuração cultural; especialmente
quando a própria mulher foge da vulnerabilidade, da incoerência, do
intangível.”
Do texto “precisamos
falar sobre o puerpério”, do blogue “A mãe que eu quero ser”.
Tenho encontrado muitos textos
sobre o puerpério. Antes já havia lido tantos outros sobre parto.
Parece que esses são os dois
momentos mais críticos da maternidade... para a mãe, é claro. Muito mais, inclusive,
do que a gestação, que costuma ser considerada a etapa mais difícil e que
demanda maiores cuidados, mas não é!!! (a não ser em casos excepcionais de
gravidez de risco).
Acho muito bom perceber a
expansão de um pensamento que valoriza o parto natural, sem intervenções
médicas desnecessárias. Também acho maravilhoso perceber que muitas pessoas
defendem que o pós-parto deve ser um momento de cuidados especiais com a mãe.
Porém, ao me aproximar de grupos
que defendem tais ideias, percebo que, muitas vezes, o que se defende, na
teoria, está longe de ser praticado.
Tenho pensado muito na frase de
uma amiga que abandonou um grupo de militância do parto humanizado, cansada do
quase “fundamentalismo” exercido pelas suas companheiras: “não quero mais
defender as mulheres que querem um parto natural, quero lutar pelas mulheres,
em geral!”.
Acho que é esse o ponto. Somos
cada vez mais seres fracionados. Defensores extremos de causas e ideais
restritos. E assim vamos perdendo a dimensão do todo.
Viver, hoje, é um parto (cesáreo).
E a nossa sociedade é formada por mães em puerpério.
Somos cada vez mais
individualistas e solitários.
Vivemos rotinas massacrantes,
pré-determinadas por estruturas e sistemas que não nos agradam, somos dependentes
de instituições que nos exploram e nos tornam impotentes.
Estamos todos infelizes, com
dores terríveis na alma, lotando os consultórios psicológicos e postando fotos
alegres nas redes sociais.
Queremos ser cuidados, queremos
atenção, queremos reconhecimento, mas não estamos dispostos a cuidar, atender,
reconhecer...
Criticamos os políticos,
corruptos, e continuamos sonegando impostos (das maneiras mais diversas
possíveis).
Falamos mal do trânsito e da
poluição, mas ainda nos apinhamos nos grandes centros urbanos e não deixamos o
carro na garagem (ou na concessionária) para enfrentarmos corajosamente o
transporte público.
Postamos fotos elogiosas do
presidente do Uruguai sentado na fila de espera de um hospital público e
assinamos abaixo-assinados para que os políticos brasileiros sejam obrigados a
manter seus filhos em colégios do governo, mas não abrimos mão dos nossos
pomposos planos de saúde e nem sequer cogitamos a possibilidade de conhecer uma
CEI ou uma EMEI no momento de iniciarmos a vida escolar de nossos rebentos.
Ficamos indignados com a forma
como somos tratadas quando decidimos por um parto natural, mas esculachamos com
violência a vizinha que decidiu fazer uma cesariana.
Não queremos ouvir palpites sobre
as nossas escolhas na educação das crianças, mas temos todas as verdades do
mundo na ponta da língua para criticar os que agem de forma diferente da nossa
crença.
Não são as mães no pós-parto que
ficam desamparadas e são cobradas a se mostrarem dispostas e felizes. Essa é a
realidade de todos nós. Se assim não fosse, diante de um quadro social tão
medonho, com crianças passando fome, mulheres grávidas fumando crack nas
esquinas, orfanatos lotados, recém-nascidos encontrados em latas de lixo, famílias
com 10 crianças morando em casebres em barrancos deslizantes; e também meninos
e meninas das classes mais abastadas passando horas em frente à TV; ou em escolas
muito pouco preocupadas com a educação de verdade, mesmo que sejam super bem
estruturadas e ofereçam milhões de atividades extra-curriculares; ou ainda, em
suas casas, cuidados por profissionais insatisfeitos e mal remunerados...
enfim, diante dessa tragédia que se configura estaríamos menos preocupados,
como sociedade, em pensar caminhos melhores para gerar filhos e mais em buscar
maneiras de cuidar daqueles que já geramos.
Penso que não preciso dizer que
não estou contra os que pensam estes caminhos, muito menos os que os percorrem
e auxiliam, na prática, outras mulheres a os trilharem.
Apenas gostaria de encontrar
sites, blogues, listas de discussão, grupos de atuação que não apenas
criticassem a sociedade que não ampara o indivíduo, mas antes visassem uma
sociedade verdadeiramente preocupada com o coletivo. Afinal, qual indivíduo, em
especial, deve ser amparado? Quem são os indivíduos que formam esse coletivo
que ampara e quem ampara tais indivíduos? Será que a única saída para o fim do
individualismo que nos agride a todos não é deixarmos de achar que nós somos os
indivíduos que precisam ser amparados pelo coletivo, enquanto os outros
indivíduos são egoístas e terríveis porque não NOS amparam? Afinal, me perdoem
se estou sendo generalista, sites e blogues que se revoltam contra a falta de
amparo às mães no puerpério, por exemplo, são escritos, frequentados,
comentados e compartilhados por mães no puerpério ou que tenham recentemente
saído dele, não?
Quando vamos parar de reclamar os
nossos direitos individuais, quando vamos parar de falar de nós mesmos e
começar a, de fato lutar pelo bem COMUM?
Que tal começarmos a pensar em
caminhos reais de estímulo à adoção de crianças por todas as pessoas que
puderem, e não apenas por pessoas que não possam ter filhos? – e que também não
“precisam” mais adotar, pois hoje a medicina permite que as mulheres gerem por
diversos caminhos artificiais, o que tantas vezes decorre em gestações de alto
risco e crianças com sérios problemas de saúde... Ou criarmos redes de amamentação,
em que mulheres com muito leite possam amamentar outras crianças cujas mães,
por qualquer motivo, não possam amamentar, ao invés de apenas mantermos bancos
de leite, frios e impessoais? – afinal, os benefícios emocionais da amamentação
são tão ou mais fundamentais para o bebê do que os benefícios físicos; Ou que
tal formarmos comunidades de pessoas que sejam voluntárias em auxiliar mães
recém-paridas, nos cuidados com a casa, com o bebê, e principalmente em ações
que a façam ter certeza de que a responsabilidade sobre aquela vida que nasce
não é só dela? Ou cooperativas de mães e PAIS que se revezem em cuidar de
crianças pequenas, para que todos possam atender às outras demandas da vida sem
ter que recorrer a escolas? Ou grupos familiares de “motoristas” amadores que
ofereçam transporte a mães e pais que não tenham carro e precisem levar os
filhos a lugares de difícil acesso para receberem tratamento médico? Ou...
ou... ou...
Gostaria de encontrar parceiros
para ações como essas...
Eu não quero defender as
mulheres, quero lutar pelo ser humano.
E não quero fazê-lo nos discursos, nos
grupos de militância, nas manifestações, nas redes sociais, e sim na minha
prática cotidiana.